quarta-feira, 20 de abril de 2011

Campanha Dilma - Um olhar sob a análise do discurso político

Ao contrário do que muitos esperavam, a campanha de Dilma, bem como seus discursos durante esse período, não foram embasados no passado difícil da candidata, que é ex-combatente da ditadura militar no Brasil, como foi, por exemplo, focado na campanha de Lula nas eleições de 2002, aonde era ofertado um candidato de origem humilde, vindo da classe operária, e que conhecia de perto as mazelas do povo. Sabe-se que um passado sofrido é um ótimo elemento de marketing político, pois dá a sensação de proximidade com os outros indivíduos que estão (ou estiveram) na mesma situação, o que garante uma parcela de votos. Tampouco a campanha focou no fato de existir a possibilidade de eleger a primeira mulher a ocupar o cargo mais alto da república. Tal estratégia não seria inteligente pelo fato de ter outra candidata concorrendo ao mesmo cargo, Marina Silva, do PV, que ao contrário de sua oponente, deu ênfase, além das questões ambientais, no fato de ser mulher, e possível representante do sexo feminino na presidência da república.

No entanto, Dilma Vana Rousseff, diferente de seus oponentes, contava com um trunfo extra. A candidata tinha a vantagem de ser a escolhida do único presidente da história do Brasil que ao final do mandato possuía mais de 80% de aprovação em território nacional. Portanto, a grande maioria de seus discursos foram voltados para a idéia de continuidade, ou seja, manter os projetos e programas do governo Lula, especialmente os assistenciais, que foram a grande bandeira do seu mandato, além do PAC e de muitos outros. Essa idéia de continuidade é apresentada no discurso de posse de Dilma, quando a já presidenta diz :"Venho para consolidar a obra transformadora do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, com quem tive a mais rigorosa experiência política da minha vida".

Falando a língua do marketing, pode-se dizer que Dilma Rousseff foi um produto pré-fabricado por Lula e sua cúpula, aonde pouco se ouviu a voz de Dilma, pouco se ouviu seus verdadeiros ideais, o que pensa, por si só, alem da muleta lulista sobre o futuro do Brasil em seus vários aspectos. Em comícios, a candidata falava, porém ainda falava pouco. Era sempre o Lula que falava mais e primeiro. Nos folders e campanhas publicitárias, ele sempre aparecia, o que acabava por ofuscar a imagem da candidata, parecendo, por vezes, que Lula era sempre "o personagem principal" da estratégia de marketing construída. Com essa pré-campanha tão tendenciosa, não é difícil concluir que Dilma foi eleita, única e exclusivamente pelo fato de ter sido vendida como um subproduto de sucessão da gestão Lula. O fato de Lula ser uma figura tão carismática, e mundialmente popular, tendo até sido chamado de "o cara" por Barack Obama, deu a Lula a chance de "vender o produto que quisesse". Portanto o discurso de Dilma em si, ficou em segundo plano, o fator que mais motivou sua chegada à presidência foi a presença de Lula e seu apoio à candidata. Não se pode negar que a influência de Lula, tal como um garoto propaganda, levou boa parte da população em depositar seu voto numa figura até então desconhecida.

Apesar dos prós e contras, Dilma foi eleita a primeira presidenta a ocupar a cadeira da Presidência da República. Em seu emocionado discurso de posse, pode-se analisar que ao contrário do que foi vendido na campanha, Dilma em pouco se assemelha com seu mentor, ao menos no que se diz respeito às palavras ditas durante a cerimônia. Em análise do Canal de notícias iG, que montou uma "nuvem de palavras" com as palavras mais enfatizadas tanto no discurso de Dilma como o de Lula ao tomar posse de seu primeiro mandato, pode-se notar uma perceptível mudança de visão entre os dois presidentes. No discurso de Lula, as palavras mais frisadas são "companheiro", "sonho", "fazer", "fome" e "povo". Já no discurso de Dilma, as palavras com mais ênfase no discurso são "investimento", "qualidade", "política" e "força". Aparentemente, o discurso da presidenta é mais pé-no-chão, mais realista do que o de seu antecessor.

Ao longo da história, vemos que normalmente os discursos de posse são mais diretos e autênticos do que os discursos de campanha, embora ainda venha com alguns elementos que tem como objetivo, de certo modo, agradar a todos. Pode-se perceber a autenticidade finalmente revelada de Dilma pelos temas expostos em seu discurso, que, como já dito anteriormente, são mais realistas e voltados para o que é possível fazer, já que via de regra, todos os presidentes empossados buscam explorar nesse diálogo inicial com a nação, o "país dos sonhos", não o país que será efetivamente construído. Dilma mencionou, 3 vezes em seu discurso, que ela iria “gerar oportunidades”. “Gerar oportunidades” significa dar educação, estabilidade econômica, juros baixos, gerar empreendorismo. Gerar oportunidades significa, segundo a já manjada frase diz: "Ensinar a pescar, não dar o peixe pronto". Essa talvez seja uma guinada não só de governo, mas também de visão político-ideológica, já que a maioria dos partidos de esquerda com os quais o PT faz aliança, tendem a defender mais a distribuição de renda do que a criação de oportunidades para que seu povo construa, pela livre iniciativa, melhores condições de vida. Dilma enfatiza bastante essa questão, dando a entender que seu governo será, efetivamente falando, mais Liberal que o governo Lula.

Dilma também citou o advento da Nova Classe Média, uma classe liberal por excelência, a classe do Profissional Liberal, que o próprio nome indica. Um grande erro de José Serra, em sua campanha, foi não se colocar a disposição da Nova Classe Média, não levando em consideração que uma boa parcela do poder de voto se concentra nessa classe. Enquanto seu partido pensa em se refundar, o PT se reformula para não ser apenas o Partido dos Trabalhadores, e ser sim o representante dessa nova classe que emerge na sociedade brasileira. Esta estratégia da Dilma é politicamente inteligente, e pelo seu discurso, se pode notar que o governo será voltado não somente, mas principalmente para as necessidades da classe média.

Ainda no âmbito econômico, Dilma falou da geração de empregos criados, da taxa de crescimento “a ritmo chinês”, e sobre a independência do Fundo Monetário Internacional, do qual o Brasil atualmente é credor. Dilma também citou os “traumas” que o povo brasileiro tem com a inflação: “Já faz parte de nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador. Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que esta praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres”.

A presidenta eleita também falou do pré-sal, e disse que irá se empenhar para que o Congresso aprove o marco regulatório do setor. "Trabalharei no Congresso para a aprovação do Fundo Social do pré-sal e do marco regulatório do modelo de partilha do pré-sal", disse. Dilma também se comprometeu, a distribuir de maneira justa, toda a riqueza que será gerada pelo pré-sal: "Não alienaremos nossas riquezas para deixar ao nosso povo só as migalhas", triste fato que acontece com a maioria das riquezas geradas no país, aonde poucos ficam com muito e muitos ficam com pouco, ou quase nada.

Ao falar da oposição, a presidenta eleita agradeceu a seus eleitores e àqueles que votaram em seu adversário José Serra: “Eles também fizeram valer a festa da democracia. Estendo minha mão a eles. De minha parte, não haverá discriminação, privilégios ou compadrio", afirmou ela, lembrando a política de José Alencar, o qual sempre apoiou e encorajou o diálogo com a oposição. Dilma também prometeu "zelar pela mais ampla e irrestrita liberdade de religião e liberdade de culto" no país.

Durante a campanha, Dilma foi acusada por José Serra de mudar de posição quanto à legalização do aborto, e o assunto logo se transformou na principal discussão do segundo turno. Devido a sua mudança de opinião, também afirmada no discurso, quando ela diz que “levará ao debate público as grandes questões nacionais”, Dilma perdeu votos para o eleitorado evangélico/católico, que se posicionam totalmente contra a legalização do aborto.

Em seu discursso, Dilma disse que não exaltaria sua própria biografia. Porém não se pode negar que a presidenta tem história marcante. Passou pela luta contra a ditadura, foi presa, torturada e tudo o mais do pacote básico das violentas ditaduras na América Latina. Sobreviveu não só no que diz respeito à vida mesma, mas também na capacidade de superar e constituir uma sólida carreira profissional e política. Chegou ao Palácio do Planalto com mais de 55 milhões de votos. "Recebi de milhões de brasileiros e brasileiras talvez a missão mais importante da minha vida, e esse fato, para além da minha pessoa, é uma demonstração do avanço democrático do Brasil, porque pela primeira vez uma mulher presidirá o Brasil". Entretanto, o fato de ser mulher e estar na presidência é sim um fato inédito, porém não é o mais relevante. O que interessa é o que a presidenta efetivamente fará em prol do povo brasileiro.

Completaram-se mais de 100 dias desde que Dilma assumiu o poder. Durante esses cem dias, a presidenta aprovou o novo mínimo, recebeu o presidente norte-americano Barack Obama, se emocionou, assim como todos os brasileiros pelo massacre em Realengo, visitou e assinou acordos na China, dentre outros fatos. Dilma dá sinais de continuidade em algumas áreas como o combate à pobreza e no estreitamento dos laços com países latino-americanos, mas demonstra mudanças em relação ao governo Lula, como, por exemplo, no posicionamento frente à situação dos direitos humanos no Irã.

Ao longo deste pequeno período de governo, pode-se notar que Dilma, não só no discurso político, mas em sua gestão, não é apenas uma marionete do ex-presidente Lula. Segundo a revista Isto é, Dilma já conta com 73% de popularidade. A presidenta, mais discreta e sutilmente que seu mentor, também está construindo seu espaço, mostrando seu pulso firme ou suas "emoções femininas", conforme manda a ocasião. A cada dia de mandato, vai ficando mais claro que Dilma não é projeto apenas para 4 anos de governo. E pelo andar da carruagem, não é pouco provável que ela falhe ao tentar um segundo mandato. Porém, para este nível de reflexão ainda é muito cedo para falar e tirar conclusões. Aguardemos...

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