terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Toda Mafalda, sempre Mafalda

Acho que já não é segredo para os poucos que seguem meu blog que eu tenho algum interesse por o que eu chamo de "cultura política", ou seja, gosto de livros, filmes, quadrinhos e seja lá o que for que me dê algo para pensar, criticar e me indignar, ou seja, que provoque alguma mudança (e que seja pra melhor, por favor).

Hoje quero falar de um dos primeiros quadrinhos que me ensinou a tomar gosto por esse caminho, e tenho certeza que também deve ter feito parte da infância e adolescência de muitas pessoas, incitando muitos filhos a fazerem perguntas indigestas para seus pais e professores (bom, pelo menos comigo foi assim..).

A personagem "Mafalda", protagonista de uma longa série de quadrinhos, foi criada pelo cartunista argentino Quino, conhecido por seu humor inteligente, ácido e politizado. A princípio, as tirinhas foram criadas para servir como "publicidade subliminar" para a marca de eletrodomésticos Mansfield. Quino então cria os primeiros esboços de Mafalda junto com sua família, mas por motivos óbvios, os jornais recusaram as tirinhas, a Mansfield desistiu da campanha, e os esboços deste período nunca foram publicadas.
Apesar do fracasso inicial, um amigo de Quino que trabalhava no “Primera Plana" acreditou que as tirinhas poderiam ter algum sucesso entre o seu público-alvo. Dessa forma, a primeira tirinha foi publicada em 29 de setembro de 1964, circulando até 1973, aonde também figurou no “El Mundo” e “Siete Días Ilustrados”, além do já citado “Primera Plana".

Nas tirinhas, Quino ilustrou uma família tradicionalmente argentina, e coube a Mafalda, uma menina de 7 anos fazer o papel da "contestadora" da família. Apesar da pouca idade, ela tem grande interesse na política mundial, desde os conflitos político-ideológicos inerentes à Guerra fria, até as questões envolvendo a China e no Vietnã, mesmo sem entender porque os conflitos acontecem, ou como o sistema funciona. Apesar dos temas adultos, Mafalda como toda boa criança odeia sopa, ama os Beatles e acredita nos rei magos.


Com um perfil tão intenso, não foi à toa que na tradução italiana, a primeira a chegar na Europa, Mafalda foi chamada de "A Contestadora". Mafalda foi uma criação tão genial, que foi definida por Umberto Eco como uma “heroína enraivecida que rejeita o mundo tal como ele é [...] reivindicando o seu direito de continuar sendo uma menina que não quer se responsabilizar por um universo adulterado pelos pais”(ECO, 2003). E eu concordo com Umberto Eco quando ele diz que ela é a personagem dos anos 70. Eu não vivi aquela época, mas por tudo o que leio, Mafalda é a única tirinha desse período que me dá a sensação de temporalidade, mas que ao mesmo tempo toca em certas questões que continuam atualizadas, ao contrário de outros cartoons desta mesma época, que me parecem sempre plastificados pelo tempo e não me passam nenhuma sensibilidade, como o Charlie Brown, por exemplo. Num paralelo criado pelo próprio Umberto Eco, digamos que Charlie Brown leu revisionistas freudianos, e Mafalda, muito provavelmente, leu o Che. E talvez por ser uma personagem latino-americana, e por isso apresentar uma realidade muito semelhante a nossa, sempre me senti muito mais familiarizada lendo Mafalda do que outras tirinhas americanas.




Um dos aspectos mais interessantes das tirinhas da Mafalda, é que Quino com seus personagens conseguiu ilustrar de maneira simples os grandes esteriótipos da sociedade argentina na década de 60: Manolito, o filho do empreendedor que já sabe que quem manda no mundo é o dinheiro, e por isso mesmo acha que comunismo é coisa do capeta, Susanita, a menina que só tem como objetivo na vida casar, ter filhos e permanecer na classe média, Felipe, um sonhador que por vezes se apresenta apático, e a própria Mafalda, que lembra aquele pessoal meio revolucionário que tá sempre questionando tudo. O traço das tirinhas é bem simples, mas acho que equilibra um pouco, já que os temas tratados são sempre complexos..



A tirinha que eu mais gosto da Mafalda é aquela sobra a tradução da ONU, que infelizmente não achei numa resolução legal para postar. Eu ainda acho que resolvi cursar Relações Internacionais só por causa dessa tirinha... E quem sabe lá na ONU eu não resolvo fazer igual a ela...



Apesar das críticas, tanto para o mundo como para o país, Mafalda é uma personagem muito amada na sua terra natal. Em 2009, a personagem ganhou uma estátua "em tamanho real" em Buenos Aires. O prédio em que Quino morou na década de 60 (portanto, casa da Mafalda) ganhou até plaquinha para indicar a moradora ilustre.


                               Estátua da Mafalda e o criador da personagem, Quino


Plaquinha no prédio aonde Quino morou na década de 60

Achei importante falar sobre a Mafalda, não apenas por um momento "nostalgia da infância" que eu sei, é muito frequente nesse blog. Acho legal divulgar um pouco mais sobre ela e explorar o assunto, porque é nítido que nosso país criou uma geração excessivamente apática com relação a política. Eu não acredito que as tirinhas politizadas vão revolucionar o cenário político, tirar os corruptos do poder e colocar os bandidos na cadeia, afinal nem o próprio Quino acreditava que suas tirinhas tivessem poder para tanto. Porém, qualquer obra artística, seja uma novela, uma tirinha ou uma música, quando atinge um determinado nível de qualidade, tem poder de ao menos questionar certos valores, e daí, a partir do questionamento, gerar alguma mudança. Por isso acredito que ao menos no aspecto cultural, os brasileiros ainda precisam aprender muito com os argentinos. Não adianta só rir da própria desgraça como é de habito na nossa cultura. É necessário amadurecer as ideias, discutir e questionar!


                                        Sempre atual, antenada na "moda"


* Algumas informações foram retiradas dos seguintes sites:
http://www.mafalda.net/index.php/pt/a-historia-2
http://blogs.estadao.com.br/ariel-palacios/mafalda-ja-e-estatua/

E nesse tem praticamente todas as tirinhas da Mafalda:
http://clubedamafalda.blogspot.com/



Espero que gostem!!

Bjokas! ;P